A história de resistência de uma mulher em uma Torcida Organizada do Palmeiras
Final de jogo no Allianz Parque. O Palmeiras joga demasiadamente contra o Corinthians, Duda Santos faz dois gols e finaliza o embate com vitória. Assim, a equipe confirma a liderança no Brasileirão Feminino em uma tarde com recorde de público. Tudo parecia perfeito, menos para algumas integrantes da Acadêmicos da Savóia, que questionavam o fato das jogadoras comemorarem a vitória com torcedores que, ao contrário delas, nunca estão no estádio apoiando as Palestrinas.
Uma das integrantes da torcida organizada, que ficou mais de 90 minutos na bateria liderando os cantos, enquanto desamarrava as bandeiras com outros integrantes da organizada, respondeu à todas de uma maneira bem calma, explicando que tudo aquilo era uma novidade para as jogadoras e todos os acontecimentos eram muito mais importantes do que tê-las por perto como sempre acontece nos jogos com menos público. A dona da voz de liderança se chama Joy Moretti.
“Criou-se uma proximidade tão grande, que eu falei para elas, ‘se a gente tiver que te cobrar, a gente vai te cobrar também’. Não vai ser só festa e oba oba, entendeu? Mas lógico, faz toda a diferença a gente ter essa contato.”
Joy sempre foi ao estádio. No começo ia ao estádio com seu pai e irmão, que aos poucos deixaram de ir aos jogos e ela, apaixonada por toda a atmosfera proporcionada pela torcida no Parque Antártica, continuou indo aos estádios com amigos do colégio, mas não se sentia totalmente a vontade de se filiar a alguma torcida organizada, principalmente pela forma como na época as mulheres eram tratadas nas arquibancadas.
Tudo mudou através do Orkut. Em um fórum da antiga rede social ela foi apresentada a uma torcida organizada do Palmeiras que havia sido fundada recentemente, a Acadêmicos da Savóia. Com a cara e a coragem decidiu aparecer em uma das primeiras festas de confraternização na quadra da torcida e foi diretamente falar com o seu fundador. Logo após se apresentar, ela já saiu falando o que esperava da organização:
“Eu falei para o presidente, ‘eu gostaria muito de ter um espaço para uma mulher dentro de uma torcida organizada e me falaram que a sua torcida é mais tranquila nesse sentido e eu queria saber se você topa’, e na hora ele falou ‘vamos fazer agora’. Então começamos com essa ideia e estourou”.
A ideia teve apoio não só das mulheres que já faziam parte da Savóia, mas principalmente das lideranças da organizada. Joy era a mais ativa dentre todas e logo foi organizando um esquema para que elas fossem ao jogo juntas, parando em todas as estações do metrô para encontrar mulheres palmeirenses que queriam ir ao estádio de uma forma mais segura. A sua organização e dedicação foi abrindo outras oportunidades dentro da torcida e hoje, além de ser a Diretora de Marketing, Joyce toca na bateria e é responsável pelas ações sociais que já ajudaram idosos, crianças e dependentes químicos.
Como a maioria das mulheres, a sua relação com o futebol e a paixão pelo clube surgiu com o futebol masculino. Mas com o surgimento do novo projeto de futebol feminino do Palmeiras, que teve início em 2019 o desejo de acompanhar a equipe feminina foi imediato, mas o fato dos jogos acontecerem em Vinhedo era um grande impeditivo de apoiar as Palestrinas durante o ano que a equipe jogou o Brasileirão da Série A2 e conseguiu o acesso para a elite.
A aproximação com a equipe veio de forma inesperada. Durante a pandemia da COVID-19 a equipe feminina começou a mandar seus jogos na capital e Joy, com toda sua insistência e poder de convencimento, conseguiu encontrar uma forma de apoiá-las. Ela entrou em contato com o clube e pediu acesso às arquibancadas do Allianz para que pudesse colocar as faixas da torcida nos jogos do futebol feminino e aproveitou a influência que já tinha dentro da Savóia para que alguns integrantes fossem bem cedo ajudá-la em todo o processo. Todo esforço valeu a pena. Hoje as mulheres que sempre estão presentes nos jogos têm o respeito e o reconhecimento das jogadoras do elenco, que muitas vezes interagem com elas nas redes sociais e agradecem o apoio e a presença em todos os jogos.
Joy se considera uma feminista e se orgulha de tudo que conquistou dentro da torcida, influenciando até no comportamento dos homens, que evitam piadas machistas e homofóbicas quando estão na sede, mas lembra que nem sempre foi assim. Diz já ter passado por momentos bem complicados envolvendo machismo nos primeiros anos de torcida. Na nossa conversa lembrou que pouco tempo depois de entrar na torcida uma bandeira que tinha estampada nela a Penélope Charmosa e o Dick Vigarista, personagens do desenho Corrida Maluca e mascotes da Acadêmicos da Savóia, teve a parte que continha a personagem feminina rasgada por líderes da torcida, que temiam se tornar motivo de piadas das outras organizadas pela presença dela na bandeira.
“Em 2006, por conta de alguns torcedores, que hoje nem estão mais aqui, por eles se sentiam muito sensibilizados sobre esse tema, porque eles tinham receio das torcidas adversárias fossem chamar ele de Penélope, enfim, masculinidade bem frágil. A presidência sofreu uma pressão muito grande na época, de forma que eles, sem nos comunicar, cortaram a faixa”.
Hoje os tempos são outros. Seja em um Derby no Allianz Parque com recorde de público ou em um jogo no Canindé com 200 pessoas, a bandeira com a Penélope Charmosa está esticada orgulhosamente nas arquibancadas para apoiar o Palmeiras Feminino. Um símbolo de resistência apresentado com muito orgulho por todas as mulheres da Acadêmicos da Savóia. Muito disso deve-se ao esforço e dedicação de Joy Moretti desde o primeiro dia que pisou na quadra da organizada.
Joy é a mulher no futebol.
Instagram Joy: https://www.instagram.com/joy_moretti/
Instagram Savóia: https://www.instagram.com/savoia_oficial/
Comments