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PIA SUNDHAGE TEM UM PLANO

Gostar ou questionar o trabalho da treinadora da seleção faz parte do jogo

Pia Sundhage é uma lenda quando se trata do futebol entre mulheres. Desde início da carreira como atacante oportunista ou nos diversos anos como treinadora, por onde passou deixou a sua marca, mudando o nível de tudo e todos a sua volta.


O anúncio do seu nome como treinadora da seleção brasileira foi uma luz no fim do túnel de um país cheio de talento, mas que sofria com uma liderança conservadora, mesquinha e acima de tudo, péssima no exercer das funções. Jogamos nela a responsabilidade de ser a guia de um caminho de glórias sem sequer sabermos do que realmente precisávamos para atingir níveis mais altos.


Quando a realidade do dia a dia bateu na porta, Pia percebeu que havia problemas básicos a se resolver - dentro quanto fora de campo. A experiente líder da seleção principal encontrou um grupo talentoso, mas com alguns problemas nos pilares do jogo - físico, técnico, tático e mental - e se viu obrigada a recuar um pouco nos seus planos para dar atenção a estes problemas e fazer da seleção um time mais equilibrado e competitivo.


Em paralelo ao seu trabalho os olhares para a seleção brasileira e para o futebol de mulheres no Brasil aumentou. O crescimento da cobertura trouxe divergências de opiniões para a modalidade e o terreno amigável do início se tornou, com o passar do tempo, em um terreno perigoso.


O time não apresentou durante o ano de 2022 o que alguns esperavam e ao mesmo tempo assistimos os principais nomes da seleção ganhando espaço e se tornando protagonistas dos seus clubes mundo afora, colocando em xeque o trabalho da comandante da seleção.

Como toda polêmica dentro do futebol por aqui há quem defenda cegamente a treinadora e há quem a critique o tempo todo. Uma divergência de pensamentos que é boa para a modalidade, que por muito tempo teve a discussão sobre o campo e bola concentrada em uma bolha que liderava o discurso sobre o jogo. De fato, o que realmente temos é uma seleção buscando evolução constante e uma treinadora que muitas vezes reconheceu limitações e foi bem sincera ao dizer que existe algo a melhorar.


Pia deu sinais claros na convocação da She Believes Cup que tem poucas dúvidas em relação aos nomes que irão a Copa do Mundo. A lateral direita, a lista de atacantes e o nome que pode ocupar a função defensiva no meio campo. Das mais utilizadas por ela no ano de 2022, apenas Angelina e Duda Sampaio, que se recuperam de contusão, não estão na lista.

Por outro lado, se não há muitas dúvidas, existem muitos desafios para que a equipe atinja um nível mais alto do que o da temporada passada.


Abaixo citarei alguns


COMO SUBSTITUIR ANGELINA?


A meio-campista do OL Reign foi um dos destaques nos primeiros jogos do ano e da conquista da Copa América. A sua qualidade nos passes na saída de bola, a imposição física e a noção de posicionamento à frente da defesa fez dela uma peça essencial na forma da seleção brasileira jogar. Quando ela se machucou, Duda Sampaio foi a escolhida para substitui-la e ofensivamente até cumpriu o bem o papel, mas nem de longe consegue cobrir tantas regiões do campo como a meio-campista nascida em New Jersey.


Na convocação para a She Believes, Pia Sundhage convocou Julia Bianchi, recentemente contratada pelo Chicago Red Stars e que vem de uma ótima temporada pelo Palmeiras. O nível técnico na saída de bola pode não ser o mesmo, mas defensivamente Julia sabe muito bem cumprir o papel de jogar a frente da zaga e cobrir as subidas das laterais, principalmente da lateral esquerda Tamires. A expectativa é de que pelo menos em um dos jogos da SheBelieves Cup a treinadora use a meio-campista nesta função, aproveitando o seu entrosamento com Ary Borges.



COMO CONTROLAR O JOGO?


Mesmo com a conquista da Copa América, um dos questionamentos durante a competição foi a forma como a seleção tinha dificuldade na troca de passes durante a transição ofensiva e na hora de rodar a bola em busca de espaço nos jogos contra defesas bem fechadas.

Por muitas vezes víamos precipitações nas escolhas e muitas delas devido a falta de aproximação e de movimentação das atletas. Durante o torneio continental isso não se tornou um problema, já que a seleção era muito acima das adversarias, mas em jogos mais equilibrados onde o erro de passe no campo de ataque pode oferecer um campo aberto ao adversário a dificuldade de manter a posse de bola e quebrar as linhas de defesa ficaram bem visíveis.


Os números da OPTA mostram que, mesmo enfrentando seleções mais fracas, a posse de bola não chega a ser muito acima do rival e a troca de passes se concentra bastante no setor defensivo. Quando falamos de equipes que fazem parte do Top20 do Ranking da FIFA os números são ainda mais preocupantes. Em apenas um confronto - contra o Canadá - o Brasil teve mais posse de bola e foi de apenas 50,1%.

Os gráficos abaixo deixam claro que há muita dificuldade de precisão nos passes na região central do jogo.


Contra adversários abaixo do Top20 do Ranking da Fifa a troca de passes é melhor distribuída, mas ainda assim não apresenta controle total da partida. (Imagem Opta Sports)

Nos confrontos contra os Top20 do Ranking a posse de bola se concentra na linha defensiva e cai na região central do jogo. Problemas com a tomada de decisão sob pressão. (Imagens Opta Sports)

Claro que a posse de bola não determina tudo que acontece na partida e uma equipe pode muito bem ter menos posse de bola e jogar de uma maneira reativa, acelerando o jogo quando necessário. O problema é que para isso é necessária muita precisão no passe e rápida tomada de decisão em momentos de muita pressão. Algo que não vimos nos confrontos mais fortes na temporada passada.



MARTA – O MELHOR DOS PROBLEMAS


Se tem algo que Pia conseguiu inserir na sua equipe é a disciplina tática. A pressão na saída de bola de adversários mais fracos e a busca por uma rápida recomposição das atacantes para impedir a troca de passes dos adversários na transição ofensiva são pontos que devem ser elogiados. Porém, o retorno de Marta faz com que ela tenha que escolher entre manter o que construiu durante o ano passado e reveber uma enorme pressão para que ela jogue ou ter a genialidade da Rainha na equipe titular, mesmo sabendo que perderá uma peça na hora de marcar no seu campo de ataque.


A camisa dez da seleção mostrou durante o seu período de recuperação e nos treinos do início da temporada de 2023 que está muito bem fisicamente, mas vale ressaltar que já em 2019 ela não exercia a função de acompanhar uma zagueira ou fechar a linha do meio campo. Hoje em dia ter uma equipe que abre mão de uma jogadora na fase defensiva do jogo pode ser arriscado, ainda mais em jogos contra equipes mais fortes. Os confrontos na SheBelieves podem nos dar uma ideia do que pensa a treinadora, mas ao se tratar de Marta, fica difícil não apostar nesta ideia de que ela seja titular e o esquema, pelo menos nos momentos sem a bola, tenha algumas mudanças.


Foto: Thais Magalhães/CBF

Pia Sundhage tem um plano e isso é claro. Gostar das ideias, da forma como ela escala e distribui o time em campo é um outro assunto. É muito importante para a modalidade que se discuta a forma da seleção jogar, que não se desvalorize opiniões contrárias ou se exalte aos quatro cantos as opiniões semelhantes.


Comparar com o trabalho anterior beira a estupidez. Vadão e Pia Sundhage “não estão na mesma prateleira” e a sueca, independente do que acontecer no ano da Copa do Mundo, já fez sua parte ao trabalhar de forma muito séria na evolução do futebol de mulheres no país e de influenciar diretamente os principais nomes de uma ótima geração.


Nas próximas semanas teremos três jogos importantíssimos para analisarmos o trabalho meses antes da Copa do Mundo. Torço bastante para que a razão se sobreponha ao amor e ao ódio na hora que os dedos baterem no teclado quando falarmos sobre as atuações da seleção.

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