Sem os mesmos holofotes dos homens, mulheres sauditas vão aos poucos conquistando o seu espaço no futebol
A Arábia Saudita nunca esteve tão em alta no futebol. Nos últimos meses, diversas estrelas do futebol masculino migraram para o país - graças ao forte investimento do Estado. Porém, enquanto o mundo via uma nova Liga das Estrelas surgir, as mulheres sauditas também celebravam as suas vitórias. Neste final de semana, começou a temporada da Liga Saudita Feminina 2022/2023 e a ROZZEIRA traz para você um pouco dessa história.
O ano era 2008. O sistema discriminatório da Arábia Saudita que era contra a presença das mulheres no esporte (e em diversas outras atividades sócio-culturais), fez com que a formação de uma seleção formada por mulheres fosse banida por lei no país. As coisas começam a mudar um pouco quando o filho do Rei Salman bin Abdulaziz, Mohammed bin Salman, decidiu fazer algumas reformas legislativas no país e algumas das alterações facilitaram a iniciação de um processo lento de acesso das mulheres ao esporte, incluindo o futebol.
O primeiro passo foi a permissão da presença de mulheres nos estádios, que aconteceu em 2017. Dois anos depois, a SAFF (Federação Saudita de Futebol), organizou a primeira competição amadora de futebol entre equipes de mulheres, que até aquele momento, disputavam partidas “clandestinas” em campos das periferias das grandes cidades do país, como Riydah, Jeddah e Damman. O aumento de mulheres interessadas na modalidade nos últimos anos, tanto em jogar quanto em acompanhar o esporte, fez com que a federação se movesse para criar a seleção nacional e uma liga nacional. Sem contar, claro, com o forte investimento na modalidade no país com a finalidade de sediar a Copa do Mundo masculina nos próximos anos.
Em 2020, a Women’s Community Football League – sem total suporte da federação – foi o primeiro torneio nacional de equipes formadas por mulheres. No ano seguinte, a competição já foi organizada pela federação nacional, e a liga foi conquistada pelo Al Nassr. Mas apenas na temporada 2022/2023 houve uma reformulação – ou um rebranding, se preferir – e surgiu a Saudi Women’s Premier League, quando novamente o Al Nassr superou o Al Hilal e chegou ao bicampeonato nacional.
Foi próximo ao final da temporada da Liga do futebol de mulheres que a federação saudita começou a iniciar os fortes investimentos na liga dos homens. O Estado decidiu despejar um caminhão de dinheiro para a contratação de grandes estrelas e, como aconteceu no resto do mundo, os valores “respingaram” na liga feminina e alguns nomes que estavam presentes na última Copa do Mundo começaram a aparecer nas grandes equipes sauditas.
O Al-Ittihad foi o que mais chamou a atenção ao contratar a defensora nigeriana Ashleigh Plumpture e a marroquina Salma Amani, que jogarão sob o comando de Kelly Lindsay, ex-jogadora da seleção dos EUA. Vice-campeã duas vezes, o Al Hilal se reforçou com a Panamenha Linda Cedeno e a capitã da seleção paquistanesa, Maria Khan. Já a atual campeã Al Nassr, que conta com a brasileira Izabela Stahelin no seu elenco, decidiu manter os principais nomes do elenco campeão da temporada anterior, como a argelina Lina Boussaha (que marcou três gols no primeiro jogo da temporada), a jovem meia Sara Hamad (jovem sensação do futebol saudita com apenas 19 anos) e as atacantes Maysa Jbarah e Mubarakh Al-Saiari.
Fora de campo, a Liga formalizou nesta semana o Naming Rights das batatinhas fritas Lay’s, empresa do grupo Pepsi.co. O anúncio de um patrocinador que investe em grandes torneios como a Champions League e em jogadores como Lionel Messi, foi considerado um marco para o desenvolvimento da modalidade no país. Além disso, pela primeira vez, a Liga será transmitida pela Saudi Sports Co., garantindo uma maior exposição de clubes e atletas, criando espaço para maiores investimentos. De acordo com a vice-presidente da SAFF, Lamia Bahaian, as parcerias com patrocinadores e a transmissão dos jogos é uma prova de que o reconhecimento e o apoio a presença das mulheres no futebol estão crescendo e foram um passo importantíssimo para a exposição do talento saudita, não só para a nação, mas para o mundo. Aliás, vale destacar que algumas partidas da Liga Saudita poderão ser assistidas no Brasil através do canal da DAZN no YouTube.
É claro que todo esse investimento não se trata apenas de uma mudança de comportamento na política, na sociedade ou que as mulheres na Arábia Saudita daqui em diante deixarão de viver em um ambiente hostil em um país com diversas questões controvérsias e negativas. Sabemos também que as ações fazem parte de interesses maiores, principalmente a mudança da imagem que o país quer passar para o mundo em busca de novas negociações comerciais - o famoso Sportswashing.
E claro, como citamos aqui, o desejo de sediarem a Copa do Mundo masculina em 2034 é o que direciona todas as ações. Porém, se considerarmos que há seis anos, muitas mulheres que hoje fazem parte de times profissionais sequer poderiam chutar uma bola ou celebrar gols em uma arquibancada, o que estamos vendo acontecer na Arábia Saudita, mesmo que não seja o mundo perfeito, merece ser celebrado.
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